Você não precisa aceitar nada

Você não precisa aceitar nada

“Eu preferia que minha filha fosse piranha. Mas ela é sapatão”. Assim reagiu uma mãe ao saber da orientação sexual de sua filha. Poderia até ser somente um primeiro efeito da revelação da menina. Só que não. Tempos depois, a opinião — carregada de emoção, frustração e vergonha — em nada mudou. “Eu não aceito. Eu simplesmente não consigo”, resume ela. “Que pena”, retruquei.
Então, me vi refletindo nessa palavra “aceitar”. Eu aceito um convite para uma festa. Eu aceito um presente de aniversário. Eu aceito um bolo do vizinho. Mas, não, eu não aceito um filho. Seja ele gay ou não. Porque somente aceitamos algo quando existe a possibilidade de recusá-lo. Porque não há o que aceitar, porque aqui não cabe querer. Não nos cabe, como pais, aceitar ou não se um filho é gay ou não. Nos cabe respeitar e, sim, amar. Sempre e acima de tudo, amar.
É claro que isso é teoria e, na prática, pais decidem se, quando e como aceitam — ou não. Como se o fato de não aceitarem mudasse a condição do outro. Não, queridos pais, a sua opinião não muda os desejos de seus filhos, o que lhes dá tesão, o que lhes atrai. A sua opinião pode fazer seu filho se esconder no armário, fazer seu rebento tão amado sofrer, pode deprimir, pode matar. Mas seu aceite ou sua recusa não vai mudar o que seu filho é por dentro.
Daí a falar de inclusão é um pulo, ainda que o caminho não seja tão óbvio assim. Aceitar um filho com deficiência é, na minha opinião, a prova mais concreta de que esse amor não é tão sublime como se prometera antes. Não existe possibilidade de se pensar em aceitar a deficiência de um filho: ele é assim e ponto. E se você não aceita? E se você não aceita que seu filho nasceu com Síndrome de Down, cegueira ou autismo? E aí? Recusa a cria e devolve pra quem?
Ah, tem quem devolva. Já soube de um caso de um bebê ter sido recusado por duas famílias, durante o processo de adoção, ao perceberem sua deficiência — que, na verdade, exige alguns cuidados e um bom médico de tempos em tempos. Sem falar nos bebês abandonados nas lixeiras da vida ou negligenciados dentro da própria casa por terem alguma má formação explícita. Casos assim, como sabemos, não faltam.
Olhem para seus filhos. Enxerguem quem eles são. Será que sua menina é apenas uma gatinha de lindos cabelos cacheados? E seu filhote se resume em ser somente um leitor voraz, um surfista em ascensão ou um aluno mediano? Será mesmo que uma criança com baixa visão é apenas uma criança com baixa visão? Não. Somos bem mais do que nossas marcas mais tangíveis ao outro. E, lá atrás, quando você pegou seu filho no colo pela primeira vez, você pegou o pacote completo, com cromossomos, DNA e, na língua que conhecemos, com defeitos e qualidades. Sem letras miúdas no contrato. Ou, como queira, com letras miúdas.
Não, a tal menina não é piranha. Mas e se fosse? E se fosse gay e ainda piranha? Uma coisa não exclui a outra, ora. É possível ser tanta coisa ao mesmo tempo. Somos uma caixinha de possibilidades. Porque somos muito, muito além, do que nossos pais sonham e esperam de nós. Aceite isso. Ou não.
Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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