Vamos mudar o olhar?

Vamos mudar o olhar?

Mais um ano letivo se inicia. Professor novo, alunos novos. Todos se adaptando para, então, poderem aprender e crescer em grupo. É hora de a professora conhecer seus alunos e estabelecer com eles uma relação de respeito e afetividade de forma que possam aprender mutuamente ao longo do ano. Este início de reconhecimento e estabelecimento de vínculo é muito importante para todas e para cada uma das crianças. A professora deve estar atenta aos que necessitam de limites, ao que buscam apoio, aos que não se sentem, ainda, parte do grupo e a todos os outros.
Neste universo intenso de relações interpessoais, crianças com algum diagnóstico estabelecido ou deficiência conhecida podem acabar ficando em segundo plano. Se não há uma cultura de reconhecimento do potencial deste aluno, a professora não estabelece desde o princípio uma relação de confiança para que então esta criança, que já possui várias questões, possa se sentir segura para iniciar uma nova jornada de crescimento e aprendizado.
As expectativas com relação ao aluno com deficiência nem sempre são as melhores. Em uma primeira análise ela pode parecer desatenta e mais interessada em conversar com o colega ao lado ou a testar os limites estabelecidos, mas isso vai acontecer até que ela sinta que verdadeiramente é parte do grupo e também está ali para aprender, ensinar e ser ensinada. Muitas vezes estes alunos já iniciam o ano com uma péssima expectativa pesando sobre seus ombros.
A partir do estabelecimento de um rótulo, o aluno passará o ano inteiro fazendo jus a ele, uma vez que a construção da imagem que temos de nós mesmos passa e muito pela que constatamos que o outro constrói de nós, pelo que esperam de nós.
As crianças com deficiência, assim como os alunos no experimento de Rosenthal e Jacobson (1968), são rotuladas, desde o início, como incapazes e invariavelmente fecham o ano sem surpreender seus professores. Conforme nos mostrou este clássico trabalho (ROSENTHAL & JACOBSON, 1968, para uma versão em português ver HARPER Et al. 1987)*, basta uma expectativa de êxito para que alunos anteriormente julgados como incapazes passem a ocupar a posição de alunos brilhantes. Mostra também que basta que o professor confie na plena capacidade de seu aluno para que este tenha condições de desenvolver em sua máxima potência, chegando a um desempenho brilhante.
Nossa intenção com este texto é fazer um convite para que os professores comecem o ano confiando e acreditando em todos os seus alunos e despindo-os de qualquer rótulo que o desmereça, oferecendo desta forma a possibilidade de um ano de sucesso e muito crescimento.

* Rosenthal e Jacobson demonstram em seu experimento o peso que um rótulo de mau aluno pode trazer para o desempenho escolar de um indivíduo. Em uma primeira etapa, distribuíram entre dois grupos de crianças cinco ratinhos solicitando que lhe ensinassem a se orientar em um labirinto. Para o primeiro grupo, foi dito que os ratos foram selecionados por possuir um senso de orientação extraordinário e, para o segundo grupo, que, por razões genéticas, estes ratos eram limitados e não deveriam esperar muito do desempenho destes nesta tarefa do labirinto. Estas diferenças existiam apenas na cabeça dos estudantes. Os 60 ratos usados no experimento eram idênticos. Passado o tempo estabelecido para treinamento, os ratinhos superestimados haviam atingido resultados surpreendentes, enquanto os demais não haviam conseguido praticamente sair do ponto de partida.
A partir deste resultado, Rosenthal resolver fazer esta mesma experiência em uma escola e usa alunos, em vez de ratos. Ele reuniu alunos vindos de classes desfavorecidas em bairros pobres, meio social que, de início, os colocava em desvantagem em relação ao desempenho escolar. Dividiu-os em dois grupos e os inseriu em duas turmas diferentes. Os professores das duas turmas foram condicionados a esperar um desempenho espetacular de parte do grupo devido a ótimos resultados nos testes de QI e um desempenho medíocre de outra parte do grupo devido ao péssimo resultado nestes mesmos testes. As informações fornecidas aos professores eram todas fictícias.
Depois de condicionar os professores, os pesquisadores esperaram pelos resultados. Os alunos designados como os que deveriam ter melhor desempenho; de fato, tiveram. A pesquisa provou, portanto que, assim como aconteceu com os ratos, o pre-conceito artificial do educador agiu de modo determinante sobre o comportamento do educando.
ROSENTHAL, Robert; JACOBSON, Lenore. Pygmalion in the classroom: Teacher expectation and pupils’ intellectual development. Holt, Rinehart & Winston, 1968.
HARPER, Babette et al. Cuidado, escola! Desigualdade, domesticação e algumas saídas, v. 35, 1980.

Carla Codeço
carla@paratodos.site.com.br


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