Uma visita nada especial

Uma visita nada especial.

Uma visita nada especial

Pedro queria brincar com Marina. Marina queria brincar com Pedro. Normal. Eles sempre brincaram quando menores: nossas famílias são amigas e os dois estudam na mesma escola, apenas em turmas diferentes. Ambos têm sete anos e são do segundo ano. Mas Pedro nunca tinha vindo na minha casa sem seus pais ou sem seu irmão mais velho. E ele vinha me cobrando essa visita há tempos, o que me fez querer providenciar logo esse encontro.
Pedro é loiro, de cabelos lindos e um sorriso desconcertante. Usa óculos. E tem Síndrome de Down – a mesma do filho de uma americana que escreveu uma carta, que viralizou, dizendo que a criança não havia sido convidada para uma festa.  Triste.
O programa lá em casa foi ótimo, uma delicia, todos adoraram. Não me deu mais trabalho do que qualquer outro amigo da Marina. Meu cuidado maior foi pedir para que o meu filho mais velho desse uma ajuda para eles brincarem, pois a Marina é MUITO agitada e às vezes não consegue parar para prestar atenção no que o Pedro – ou qualquer outra pessoa – fala. Fui dar uma olhada algumas vezes para ver o que estava acontecendo, de longe mesmo. Os 3 se resolviam sempre e Felipe foi mais do que suficiente para ajudar a Marina a se controlar.

Então, quando Pedro foi embora, fiquei pensando que não existe motivo para criança alguma ficar sozinha, não ir à casa de colegas, não ter companhia no recreio, não ter amigos. Não existe mesmo. Não fiz favor ao convidar o Pedro. Foi excelente e sei que seria ótimo com qualquer outra criança, mesmo que não houvesse, entre as famílias, um laço de amizade. Não convidei Pedro para ensinar moral e cívica para meus filhos. Tampouco quis ser legal ou bancar a boazinha. Convidei Pedro porque gostamos dele e de sua companhia. E, por isso, queríamos que ele viesse. E só. Mas, não posso negar, a visita me provocou essas reflexões.

Esse é um movimento muito simples que os pais poderiam fazer. Todo e qualquer pai. Com ou sem rótulo de inclusão. Talvez muitos dos pais de inclusão, tão acostumados às negativas da vida (das agruras na escola à exclusão do social), precisem saber que seus filhos, sim, são queridos. E talvez muito dos pais de não inclusão precisem saber que também depende de nós incluir. Basta olhar fora da janela. E essa fresca é ótima pra todo mundo.


Por Fernanda Niskier

Leia a carta na íntegra

“Uma carta aberta aos pais que acharam que era OK convidar uma sala inteira para o aniversário da criança exceto o meu filho… compartilhando isso porque eu acho que é uma lição valiosa para todos e eu estou tentando educar e defender mais (os deficientes).

Olá, eu sei que nós não nos conhecemos bem, mas o meu filho, Sawyer, e o filho de vocês estudam na mesma sala. Eu sei que o filho de vocês recentemente entregou convites para a festa de aniversário dele para a sala inteira, com exceção de Sawyer, que não foi convidado. Eu também sei que isso não foi um descuido da parte de vocês, foi uma decisão intencional de não incluir o meu filho.

Eu quero que vocês saibam que nós não temos a expectativa de sermos convidados para todas as festas de aniversário. Na verdade, quando Sawyer comemorou o aniversário dele no ano passado, nós só convidamos alguns amigos próximos porque nós queríamos fazer uma festa pequena, já que aconteceu durante as comemorações de fim de ano.

Mas, no caso de vocês, a razão não foi a mesma. Na verdade, vocês convidaram todas as 22 crianças da sala, menos o meu filho. Eu sei que não é por que ele é malvado, vocês não conheceriam uma criança mais feliz. Eu sei que não é por que ele não é engraçado, ele tem um enorme senso de humor e uma risada contagiante. Eu sei que não é por que o filho de vocês e ele não se dão bem, ele já mencionou o nome do filho de vocês em várias ocasiões. A única razão para vocês terem decidido que era ok não convidar o meu filho para a festa de aniversário do filho de vocês é por que ele tem Síndrome de Down.

Eu sinto muito que vocês não estão informados, talvez com medo, ou incertos sobre o que ter Síndrome de Down significa. Eu sei que se vocês soubessem mais sobre a Síndrome de Down vocês não teriam tomado esta decisão.

Eu não estou com raiva de vocês. Pelo contrário, eu acho que isso é uma oportunidade de vocês conhecerem o meu filho melhor. Ter Síndrome de Down não significa que você não quer ter amigos. Não significa que você não tem sentimentos. Não significa que você não gosta de ir a festas de aniversário. Pessoas com Síndrome de Down querem as mesmas coisas que você e eu queremos. Eles querem ter relacionamentos próximos, eles querem sentir amor, eles querem contribuir, eles querem ter vidas significativas, e eles querem ir a festas de aniversário. Deve ser mais difícil, às vezes, entender o meu filho. Mas o riso e o amor compartilhados não precisam de interpretação.

Eu quero que vocês saibam que eu também era como vocês. Eu tinha medo, incertezas e era desinformada sobre a Síndrome de Down antes de ter o meu filho. Eu me preocupava muito com a possibilidade dos meus outros filhos não conseguirem se conectar com ele, como outros irmãos fazem.

Ter um irmão com Síndrome de Down ajudou a transformá-los (os outros filhos) em indivíduos com compaixão que sabem que é ok ser um pouco diferente dos outros. Eles não têm medo de ajudar quando eles veem alguém lutando. E eles não têm medo de se aproximarem de quem eles não entendem completamente. Como retorno, eles receberam muito amor e diversão por terem um irmão como melhor amigo deles.

Talvez vocês estejam lutando com as palavras para falar com o filho de vocês porque seu filho não queria meu filho na festa de aniversário dele. Talvez vocês deixaram seu filho decidir que era ok excluir uma pessoa.

Eu sei que pode ser difícil ensinar nossos filhos sobre uma coisa que nós não entendemos. Eu luto contra isso também. Mas esta é uma boa oportunidade e lição de vida para ensinar ao filho de vocês.

Eles vão lembrar do tempo que os pais deles disseram a eles que não era OK excluir alguém por causa da deficiência, da raça ou gênero. Eu sei que vocês querem para o seu filho a mesma coisa que eu quero para o meu.

Como pais, nós queremos que nossos filhos sejam queridos, sejam amigos e não que eles sejam deixados de lado. E nós fazemos isso dando exemplos a eles e encorajando eles a fazerem escolhas que eles podem não ser grandes suficientes para compreender completamente.

Mas eles vão olhar para trás um dia com o entendimento e o conhecimento que vocês compartilharam com eles. Eu estou certa, que com um pouco de encorajamento, a criança de vocês pode desenvolver uma amizade verdadeira com o meu filho que vai deixar uma impressão permanente e positiva neles para o resto da vida.

admin
patricia.rocha@paratodos.net.br


});