Tranquem as criancinhas no porão

Tranquem as criancinhas no porão

Quando o assunto é nível médio, há quase uma unanimidade – silenciosa e cruel – entre as escolas: estudantes com algum déficit intelectual não dão conta a partir daí. Portanto, em vez de cursarem os três anos do Segundo Grau, esses jovens ganham a recomendação de tentar outra coisa, ficar em casa, trabalhar na loja do papai ou aprender, quem sabe, uma vocação, digamos, mais simples ou menos arriscada. Tem funcionado. Essa ideia de que alguns estudantes só vão até ali mesmo ajudam a engrossar as tristes estatísticas de inclusão (ou seria de exclusão?) do país: há cerca de 46 mil jovens com alguma questão matriculados no nível médio – 0,6% do total dos matriculados nessa faixa escolar.
A estratégia é de uma miopia sem fim. É quase um atestado de até onde um ou outro ser humano, categorizado como deficiente, pode chegar. É bater a porta na cara, ou melhor, no futuro de tantos jovens. É bem mais do que um retrocesso. É um cartão vermelho para aqueles que estão fora dos padrões estéticos, sociais, pedagógicos, intelectuais da nossa educação. É a confirmação do preconceito que persiste na sociedade e seu total apoio a uma ideia de que a escola não é bem o lugar mais adequado para pessoas com alguma questão intelectual. É trancar as criancinhas no porão. Às escolas que limitam seus alunos, meus pêsames. Pois vocês estão tirando da sala de aula a diversidade e jogando no ralo as possibilidades de um ser humano.
Um dos grandes argumentos desse plano é que alguns jovens só vão até determinado ponto. Dali não passam mais. Não aprendem. Ora, ora, deixem que o tempo se encarregue disso. E deixem-se surpreender com os resultados! Vamos ver até onde aquela criatura é capaz de chegar. Deixem os jovens voar – seja lá como ele como for.
Desistir de alunos que têm autismo, síndrome de Down ou qualquer outro transtorno vai elevar a nota no Enem. Sem dúvida. Aí está um bom exemplo de que o fins justificam os meios. As escolas vão sair bem na foto e a disputa pelos décimos nos rankings dos melhores pode ficar mais acirrada. Mas a que preço? Não, queridas escolas. não é assim que deveria ser. Antes de dar um conselho excludente e cruel, que tal chamar os pais dos seus alunos com alguma questão?  E, a partir daí, juntos, fomentarem um plano para que, juntos, eles cursem o que quiserem. Ora, ora, porque a vida é feita de escolhas e não se pode tirar de um estudante esse direito.
Entre os adultos de hoje e os adultos de amanhã, há muita gente que teve e terá de driblar a educação – estática, imóvel, segregadora – para ser simplesmente o que se é. Se essa filosofia persistir, é como se a educação fechasse as portas para pessoas como as citadas abaixo.
Emílio Figueira, 45 anos, tem paralisia cerebral. Isso, no entanto, não o impediu de ser psicólogo, escritor, blogueiro e defensor da educação inclusiva.
Liane Collares. Já foi auxiliar de creche e recepcionista em eventos. É escritora e dá palestras no Brasil sobre o direito de pessoas com alguma deficiência. Aos 40 anos, trabalha como secretária no STJ.
André Arroyo Ruiz, 34 anos, é engenheiro
elétrico formado pela USP.
Foi, adulto, diagnosticado com autismo,
após alguns meses de acompanhamento psiquiátrico.
Jake Barnett: americano diagnosticado aos dois anos com autismo. Aos três, foi dito que ele nunca conseguiria ler. A mãe não acreditou nisso. Aos 12, tornou-se pesquisador remunerado em física quântica pela sua universidade. Suas ideias, segundo especialistas, o colocam como um possível ganhador do premio Nobel.

Que as escolas passem a confiar mais e rotular menos. Somente assim essa lista poderá ser maior, bem maior.

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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