Tempo de ser Gentil

Fernanda Gentil.

Tempo de ser Gentil

Quer dizer que Fernanda Gentil é gay? Aquela apresentadora do Esporte Espetacular tão competente quanto linda está namorando uma outra jornalista, conforme publicou a coluna Gente Boa, do Globo. Houve reações ao fato, especialmente vindas de quem acompanha a vida da moça pelas redes sociais. Afinal, Fernanda chegou a escrever um blog sobre sua linda história de amor com Momô e depois publicou um livro sobre as aventuras e desventuras de sua vida conjugal. Já mostrou barriga um mês depois do parto, contou as agruras vividas na amamentação, lamentou a dificuldade na volta ao trabalho após nascimento do filho, postou sobre o fim do seu casamento. Só que o implacável tribunal do Facebook não perdoa tão fácil assim e a musa do jornalismo esportivo da Globo foi alvo de piadas, ofensas e julgamentos. Seu crime? Querer ser feliz.
Num mundo tão hostil ao que lhe é estranho, Fernanda agora carrega uma marca no peito. Não é necessário bola de cristal para imaginar que, por onde andar, ela vai sentir cochichos e entreolhares, gente fofocando sobre ela, suspiros de “que pena, tão linda”. Vai estar na mira da patrulha da instituição familiar em seus mais distintos endereços (na família, na igreja, no prédio, no trabalho, na escola, no clube, na praia, na padaria…). Vai ter gente na rua que vai tentar fazer de tudo para que ela volte a ser… normal. Espantada pelo fato de uma mulher ter se apaixonado por outra – como se isso não acontecesse desde os tempos de vovó mocinha.
O assunto ficou sério, muito sério. No Twitter, a vida amorosa de Fernanda chegou nos Trending Topics Brasil. Pasmem: derrubou, inclusive, escândalos e troca de farpas de políticos em pleno período de eleições municipais no país. Teve textão no Facebook da própria e milhares de comentários apoiando – ou não – os novos rumos da moça. Mas, ora, ora, deixem a moça viver em paz.
Afinal, o que nós temos a ver com isso? Com a vida amorosa de Fernanda, nada. Mas seu anúncio assim tão franco nos leva a refletir justamente sobre quem se opõe a qualquer forma de amor. Pois estamos falando de amor – mesmo que não seja o eterno, mas apenas singelo. É amor que leva uma pessoa a se juntar a outra (desconsiderando quaisquer outros sentimentos menos nobres, como o interesse financeiro). É amor que faz com que Fernanda tenha coragem para declarar quem é sua nova paixão. É amor e ponto – à sua companheira, à sua família, a si própria. Se, de fato, falamos de amor, e não de guerra, o que nos leva a reagir com crueldade ou palavras chulas? É que, em pleno seculo XXI, ser gay – ou estar gay – ainda é diferente. Ainda é amor menor, é tara, é promiscuidade, é safadeza, é fantasia, é falta de homem de verdade ou de louça pra lavar.
Então, voltemos a velha história do ser diferente – tão vivenciada pelas pessoas com deficiência de forma cotidiana e cruel. E não nos enganemos: não é a diferença que mata. Mas nossa inabilidade de lidar com ela – que nos constrange e nos envergonha. E a História já nos deu vários exemplos disso, bem como o terrorismo que vem assustando o planeta.
Bem vinda ao clube dos diferentes, Fernanda. Aqui, somos todos iguais. Porque todos precisam se impor para serem respeitados. Não é fácil. A vida fora dos padrões esperados pela comunidade que nos cerca pode reduzir o ciclo dos queridos, nos expor e exigir um ativismo do qual nem todos sonham em ter. No entanto, é essa exposição – que é tão da Fernanda quanto nossa – nos faz andar para frente, mesmo que nos puxem incessantemente para trás. Nesse momento, o mundo ao redor se esquece de que somos diferentes e incansáveis. E que só vamos parar quando cada um for tido, não como diferente, mas único, como todo e qualquer ser humano deve ser.
Por aqui, é tempo de ser Gentil.⁠⁠⁠⁠

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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