Só precisamos ser suficientemente bons!

Imagem alusiva ao símbolo do super-homem e super-mulher.

Só precisamos ser suficientemente bons!

Há algumas semanas, escrevi sobre as angústias que poderiam estar assombrando os responsáveis neste momento de possível retorno às aulas presencias. Imaginei que a família de crianças em situação de inclusão em particular pudesse, eventualmente, estar apreensiva em relação aos conteúdos perdidos por seus filhos e às supostas regressões durante esse período de afastamento do ambiente escolar. Terminei, sugerindo que confiassem em seus filhos, porque eles são muito mais capazes do que imaginamos.

Dizem que conselho, se fosse bom, a gente vendia, mas … desde que publiquei o texto uma questão martelava na minha cabeça: o que dizer aos pais e responsáveis para acalmarem seus corações em relação a si próprios? Fala-se tanto em compaixão atualmente. Que tal praticarmos com nós mesmos?

Aí, me lembrei de um conceito desenvolvido pelo pediatra e psicanalista inglês chamado Winnicott: o de mãe suficientemente boa. Já ouviu falar? Winnicott sustentava que toda criança já nascia com a tendência inata ao desenvolvimento e que para seguir esta tendência a mãe ou quem exercesse a função materna deveria ser somente suficiente bom. Falo aqui de mãe, pois foi esta a expressão cunhada por Winnicott, mas esta “mãe” pode ser o pai, a avó, uma babá, um tio, uma vizinha … pode ser qualquer pessoa que exerça essa função primordial de cuidar daquele bebê e de atender suas necessidades básicas. Ou seja, a mãe ou o cuidador primordial não precisava ser aquela pessoa infalível, fantástica, que tivesse todas as soluções, acertasse sempre e atendesse imediatamente seu filho ou a criança que estivesse sob seus cuidados. Também não deveria ser aquela mãe ou responsável que deixasse o bebê sozinho para que se “virasse” e aprendesse por si mesmo. Não, a mãe ou quem exerce a função materna só precisa ser suficientemente bom – nem demais para não ser excessivo, invasivo ou sufocante, nem de menos para não ser negligente.

Certa vez, durante uma sessão de análise em que dividia com minha terapeuta os medos em relação à maternidade, ela me apresentou a esse conceito. Isto aconteceu muitos anos antes de ser mãe, mas numa época em que já havia o desejo e as fantasias de não dar conta de tão difícil função. Ah, querido Winnicott, você, desde então, acalma meu coração, quando me sinto na obrigação de pular da cama e sair do quarto já vestida com uma capa de mulher maravilha para enfrentar o dia-a-dia e os desafios da maternidade.

E de que forma esse conceito nos ajuda nesta época de tantas incertezas? Ora, ajuda-nos a aceitar nossa humanidade, nossos possíveis erros, o que não deu certo. Ajuda-nos a saber que, se não errarmos muito ou gravemente, nossos filhos continuarão a trilhar, cada um de sua forma, sua tendência ao desenvolvimento.

Nossos filhos talvez voltem às aulas presenciais, mas não haverá na porta da escola um carrasco, anotando tudo o que cada um de nós fez. E, se te perguntarem ou se você se preguntar, seja gentil com você mesma e, sem culpa, lembre-se de que a gente só precisa ser suficientemente bom. Estamos todos, como pais e responsáveis, fazendo o melhor que pudemos.

Como diz Guimarães Rosa, o que a vida quer da gente é coragem e, como diz Winnicott, o que se quer da mãe ou de quem exerce a função de cuidar é que seja simplesmente só suficientemente bom! Sigamos, então, corajosamente, gentis conosco mesmos!

Flavia Parente
flavia.parente@paratodos.net.br


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