Quem quer ser mais igual que os outros?

Cena de escravidão.

Quem quer ser mais igual que os outros?

Faz tempo que não escrevo. Não estou conseguindo parar pra organizar o pensamento e passar pro papel. Não faltam pensamentos, nem papel, mas tranquilidade sim. Tenho tido ideias de textos mas estas ficam pairando na minha cabeça apenas e não consigo parar e escrever. A ideia deste texto estava assim, na minha cabeça. Até que ontem eu vi esta matéria no jornal e não pude deixar de passar para o papel.
Lá estava eu tentando relaxar durante umas curtas férias para retornar com as baterias recarregadas e pronta para voltar para rotina puxada.
Relaxada em um dos ambientes de estar do hotel, vejo ao lado um livreto e pego para ler sem compromisso. Uma ótima oportunidade de esvaziar a cabeça para que o tão cobiçado ócio criativo possa tomar conta de mim e fazer seu precioso trabalho.
Começo a ler apenas juntando as letras e as palavras, sem me preocupar em armazenar informação, justamente fazendo o contrário, deixando que a informação entrasse e saísse sem que nada ficasse retido. Pouco texto, alternado com imagens lindas e relaxantes…. E lá fui eu.
Até que certas expressões foram ficando entaladas. Entravam e não saíam e iam formando um engarrafamento de ideias incômodas. O folheto de fácil leitura era um folheto de propaganda de uma rede de hotéis com fotos de lugares relaxantes que qualquer pessoa adoraria conhecer e passar uns dias. Mas o texto, em vez de marketear que é um lugar maravilhoso ao qual ninguém resiste, que agrada a gregos e troianos, faz justamente o marketing contrário. Vende que aqueles lugares são exclusivos. Exclusivos para poucos. Só para poucos escolhidos. Apenas para poucos merecedores.
Aquilo foi me incomodando de tal forma que larguei o danado do livreto e fui caminhar em busca de outra atividade que fosse de fato relaxante. Já sei! Vou relaxar num sofá e ver um episódio de um seriado leve e alegre. Achei o sofá perfeito para os meus planos e quando fui me ajeitar para sentar, o que vejo? Uma almofada fofa, cuja estampa copiava pituras do século XVI e XVII à lá Jean-Baptiste Debret. Pinturas antigas com cenas de escravos. Olho em volta e não é apenas uma almofadinha num canto. São todas! Todas as almofadas têm estampas com cenas de escravidão. Juntando com as palavras do famigerado livreto “privilégio exclusivo” benefícios exclusivos”, minha cabeça começou a ferver novamente. Um período de nossa história triste e violenta que deve ser lembrado apenas como algo que nunca mais queremos repetir está ali, enfeitando o estar relaxante. Será que busca agradar a quem? Aos senhores de escravos? Onde estamos? Que situação é esta?
Sim, sabemos que em nosso país a desigualdade social é gritante. Mas que marketing é este que considera isso como valor? Que marketing é esse que te oferece algo que só você pode ter, deixando explícito que muitos querem, mas não podem. Será que isso é um valor para muita gente? Pra mim, não. Acabou com minha tentativa de relaxamento.
Mas o que isto tem a ver com inclusão? Tudo! Sempre que acharmos que alguns apenas podem, alguns apenas têm direito, todo e qualquer motivo é motivo para excluirmos outras pessoas de nosso convívio, de nosso ambiente. Quando deveríamos reconhecer que todos somos seres humanos e temos direito de estarmos sempre todos com todos.

Carla Codeço
carla@paratodos.site.com.br


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