Pessoas negras não moram no Brasil

Três crianças brincando.

Pessoas negras não moram no Brasil

Dia desses, fui levar meus filhos ao cinema. Era numa dessas salas mais especiais, com algum atrativo mágico além do filme. Saímos de carro, cruzamos a Zona Sul do Rio e partimos pra Barra da Tijuca. O filme? Não lembro. Mas da nossa conversa do carro não esqueço.

No caminho, inspirada numa reportagem que li sobre a filósofa Djamila Ribeiro, lancei o seguinte desafio a meus filhos: observem quantos negros vamos encontrar no cinema. Meu caçula, no entanto, se adiantou:
– Poucos ou mesmo nenhum – disse ele, seguro como sempre.
– Nós nem chegamos ainda. Como você sabe? – indagou o irmão.
– Eu sei porque as pessoas negras não moram no Brasil. Eles não são daqui.

Um minuto de silêncio pra minha alma se recuperar. A expressão no rosto do meu mais velho também era um reflexo do meu espanto.

– Se não há negros no Brasil, filho, onde eles moram?
– Num país distante. Longe daqui.
– Mas temos negros aqui, meu filho.
– São turistas. Vieram de lá. Vem só pra passear mesmo. São visitas na cidade…
– Não fala besteira – cortou o irmão.

Mais um minuto pra me recuperar e me reestabelecer do tapa que levei. A conversa prosseguiu como se faz nessas horas. Mas me questionei o que ando fazendo com essas crianças. Em que país meu filho vive? Em que mundo nos escondemos? Quando comecei a murar a minha família em guetos tão exclusivos a ponto de ele não reconhecer a cor da gente de seu país? Que também é negra, assim como parte da sua própria família. Sua percepção da realidade estava opaca, uníssona, desbotada, torta, branca. E eu estava em choque.

Na fala do meu caçula, não vi preconceito. Não era esse o meu ponto. Mas atesta falta de convivência – vital para que a diversidade seja vivenciada. Fundamental para que se conheça as diferenças, que podem estar  na cor da pele, no tipo de cabelo, na forma de falar, no jeito de pensar, numa opinião oposta à nossa. Crucial para que não se reconheça como turistas aqueles que também formam a identidade da população brasileira.

Assim, é com a inclusão – na prática, as demandas das minorias se aproximam: o que se quer é pertencimento. Precisamos mostrar para os nossos filhos que pessoas com deficiência não estão aqui a passeio. Não são turistas na escola, no clube, no trabalho, nas praças. Não são visitas. Porém, se os guetos exclusivos persistirem, negamos a existência de um grupo de brasileiros. Afinal, não reconhecemos aqueles que não vemos. Seguem como turistas no seu próprio país, passeando pelas sombras do mundo real.


* Texto publicado originalmente em 21 de março de 2018 na coluna Incluir para Crescer do site da revista Crescer
Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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