Omissão nossa do dia a dia

Omissão nossa do dia a dia.

Omissão nossa do dia a dia

Você está numa casa de festas. Sozinho. Olha ao redor e vê, como é de se esperar, crianças brincando como se não houvesse amanhã. Todas, menos uma menina de, digamos, 7 anos. Ela está triste. Visivelmente triste. Brinca só, não se divertindo, mas como se estivesse apenas esperando a hora de seus pais entrarem pela porta principal e a levarem dali. Uns mexem com ela. Riem, apontam o dedo, a chamam de algo que você, de longe, notou tristeza. Você tem duas opções: chegar perto da criança ou ignorá-la. É aqui que você decide se esse texto é para você ou não.
Se resolver deixar a criança de lado, siga a vida adiante. Ela sempre esteve por perto mesmo, você que nunca a viu – ou a viu, sim. Mas repense, sempre há tempo para aprender a querer, ou melhor, buscar, construir, fazer um mundo mais justo. Se sua opção for tomar uma atitude, como conversar com a criança, chamar atenção dos monitores da casa de festa, ver o que seu filho pode fazer para ajudar, trocar os pés pelas mãos, você se importa. E se importar já é meio caminho andado.
Precisamos sair do conforto da nossa poltrona. Abandonar a indiferença que, muitas vezes, não nos move. Jogar fora aquele ar blasé do mundo cheio de interesses próprios. Temos, sim, de impedir (ou tentar, ao menos) que injustiças, do nosso ladinho, aconteçam. Essas injustiças cotidianas, como uma criança sozinha numa festa, não precisam da conivência do nosso silêncio. Pois, o ditado popular é sábio: quem cala consente.
Precisamos ser mais do que contra a exclusão. Nosso ativismo virtual é lindo. É claro que ajuda postarmos no Facebook nossas opiniões acerca do mundo. Como são fortes os vídeos: tem  a professora que grita com um aluno; tem a cena horrível dos tapas recebidos pelo jovem que não conseguia se firmar para a foto; tem o menino com deficiência que ajuda o motorista do ônibus a se livrar de bandidos. E, nas legendas, xingamentos contra injustos e advogados em defesa das pessoas com deficiência. Em tempos de redes sociais, somos formadores de opinão 24 horas por dia. Mas precisamos mais do que gritar no Facebook – ainda que gritar seja muito importante.
Não podemos saber que nossa escola nega matrícula a estudantes com deficiência e nos calarmos. Não podemos saber que nossa escola cobra a mais destes mesmos alunos. Não podemos saber que nossa escola não se preparou para lidar com a diversidade que recebe, a cada ano, em sala de aula. Esse silêncio nos torna cúmplices de um crime, hoje, previsto em lei.
Aquela criança ali na festa é somente um retrato da exclusão diária que é vida dela. Algumas são exclusões bem sutis. Como quando a professora a colocou para apitar todas as partidas da educação física, em vez, de tentar inseri-la na atividade. Como quando a mãe de uma colega de turma pediu seu exame de sangue detalhado para saber os reais danos de uma mordida na bochecha. Como quando a mãe da colega do balé diz que ela é maravilhosa e que dança muito bem, mesmo que ela, por vergonha, não tenha sequer subido no palco.
Não, não estou falando aqui de grandes injustiças de proporções catastróficas como a História já nos mostrou (ou estou?). Em geral, não vamos lidar com monstros encapuzados, genocidas ou dragões de sete cabeças. Estou falando de pequenas injustiças de proporções catastróficas para o mundo a redor.
Voltemos à menina da festa. O que vamos fazer mesmo?

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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