Inclusão em debate

Inclusão em debate

Quinta-feira, dia 12 de novembro. 19:30. Botafogo, Rio de Janeiro. Cadeiras extras tiveram que ser colocadas. Quarenta e quatro pessoas foram ouvir a palestra “Inclusão escolar: ferramentas e estratégias possíveis”. Sem dúvida, este é o assunto da vez. Na plateia, muitos rostos conhecidos, outros são novos. A cada dia temos visto outras pessoas se interessando pelo assunto. Algo que antes talvez não lhe cabia, hoje já percebe que este tema não interessa apenas aos pais de pessoas com deficiência ou que trabalham com estas pessoas. Professores, pedagogos e psicólogos. Cada vez mais, fica claro que este é um assunto de todos.
Ao longo de uma hora e meia, Nira Kaufman e Sheina Tabak apresentaram conceitos sobre inclusão e estratégias para colocar em prática algo que, para muitos, ainda é apenas teoria. As duas profissionais — uma psicóloga e outra pedagoga — começaram suas carreiras como mediadoras. Assim, falam sobre algo que vivenciaram. Muitos dos exemplos trazidos aconteceram com alunos acompanhados pelas próprias.
Começaram citando Adriana Marcondes que diz que “a inclusão não se dá incluindo os corpos das crianças nas classes regulares”. Em seguida, apresentaram o conceito de Freller de que o aluno está em situação de inclusão e de que necessita de estratégias específicas para aprender. Com estes conceitos iniciais e alguns outros mais, partiram para falar sobre os diferentes diagnósticos e as dificuldades em se estabelecer as estratégias. Trouxeram alguns ricos exemplos de como elas e os mediadores supervisionados por elas caracterizam as crianças que atendem e como conseguem desenhar um plano individualizado para avançar no aprendizado. Em vez de focar em rótulos, trabalham as características positivas e as respectivas dificuldades para estabelecer as metas. Assim, alunos com diagnósticos bem distintos poderão inclusive ter metas e estratégias comuns.
Citaram o exemplo de um manual que usou o conceito de “fácil leitura” e que havia sido desenvolvido inicialmente para pessoas com deficiência intelectual. Entretanto, hoje sabemos que é utilizado por muitas pessoas com dificuldade de aprendizagem ou por quem não tem acesso a palavras tão complexas. Até mesmo pessoas que não têm a língua portuguesa como língua mãe também se beneficiam.
Outro exemplo prático foi uma agenda com opções de múltipla escolha onde a criança marcava o livro do dever de casa e anotava apenas a página a ser feita. Uma estratégia que também pode ser ampliada e usada para tantos outros alunos com dificuldade em se organizar. Mostraram ainda que muitas das adaptações feitas para um aluno podem ser aproveitadas para outros. Não só para aqueles em situação de inclusão, mas também para todos da classe.
Apresentaram ainda o caso de um material de ciências usado por um professor para trabalhar sobre os diferentes estados da água (líquido, gasoso e sólido). O material adaptado trazia figuras e mostrava o processo. Logo o professor incorporou a adaptação à sua apostila, percebendo que outros alunos também se beneficiaram.
Também contaram que, ao longo dos anos, elas mudaram estratégia: não ficam mais tentando mudar o aluno, mas sim as estratégias para este pupilo. Isto me lembrou uma frase da psicopedagoga argentina Alícia Fernández  “o problema não é de aprendizagem, mas sim de ensinagem“.
Fecharam falando sobre a necessidade de reconhecermos a diversidade como característica fundamental de um coletivo. E ainda, se hoje são tantas as teorias que nos mostram que existem várias formas de aprender, precisamos pensar também que há muitas maneiras de ensinar. Convidaram a todos, os professores em especial, a refletir sobre como podemos pensar novas formas de ensinar.
Neste momento, eu me perguntei, por que isto não acontece ainda? Entretanto, me lembrei de quando fazia mestrado em Educação Infantil e ouvi duas professoras conversando. Uma, recém-chegada àquela escola, dizia que, depois de dois anos numa escola com método construtivista, ela estava feliz de estar agora num colégio tradicional. Afinal, estava cansada, pois no antigo trabalho tinha que pensar as estratégias sempre e, agora, finalmente, ela tinha uma cartilha para seguir. Talvez seja esta a resposta: é mais fácil ter cartilhas. Enquadrar todos num mesmo método, numa mesma forma.

Nira e Sheina entendem que a escola precisa de um funcionamento coletivo. Entretanto, sabem na prática que é possível ter estratégias específicas dentro deste funcionamento coletivo. E nos convidam a conhecer estas práticas e acreditar que podemos desenvolver o potencial de cada uma destas crianças e avançar no seu aprendizado. Assim como elas, que mais profissionais se aprofundem e percebam que o  caminho necessário para uma inclusão de verdade é mais simples do que se imagina.  Basta querer.♦
Ciça Melo
cica.melo@paratodos.net.br


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