‘Incluir requer prática e empatia’

Inclusão e empatia

‘Incluir requer prática e empatia’

Todas as tardes, Joana Pinheiro, de 32 anos, chega para dar aula numa turma de Educação Infantil no Colégio São Paulo, no Arpoador. Mas o dia da professora não começa às 13h. Na parte da manhã, ela atende, numa espécie de tutoria, um aluno com deficit no aprendizado. De noite, tem mais trabalho, já que ela acompanha alunos que precisam de reforço escolar. A rotina, pesada, faz com que ela atue nos dois lados do balcão – dentro e fora da escola -, o que lhe garante uma visão mais ampla da Educação. Crítica do professor que exclui a diversidade por não se sentir preparado, Joana defende que inclusão não depende somente de cursos: é preciso aliar prática à empatia.

Confira, a seguir, a entrevista de Joana concedida ao Paratodos. Uma homenagem nossa ao Dia do Professor. Uma homenagem a quem faz diferença na vida de seus alunos. De todos eles.

PARATODOS: Como seria a escola dos seus sonhos?

JOANA PINHEIRO: É aquela feita de profissionais apaixonados e bem formados e remunerados. Professores que entendam seus alunos e dominem o conteúdo. Uma escola sem provas baseadas em memória e sorte na múltipla escolha. Uma escola com mais prática e menos teoria que depois não usamos para nada além do vestibular. Política (dentre tantas outras) seria matéria obrigatória. É preciso a participação da comunidade e o fortalecimento da relação escola e família; professor e aluno.  É preciso brincar, aprender a dividir, respeitar, fazer amigos, imaginar, inventar, vivenciar antes de aprender a ler e escrever.

PARATODOS: Seria inclusiva?

JOANA: Sim. Mas não essa inclusão que dizem haver nas escolas. Uma inclusão que, independente do diagnóstico, a criança pudesse se sentir parte do grupo sem ser muitas vezes retirada do seu espaço ou vista como responsabilidade apenas do mediador. A escola que exige que um aluno seja obrigatoriamente acompanhado por um mediador 100% do tempo em que está na escola não é inclusiva.

PARATODOS: Quais são os desafios que a inclusão impõe aos professores?

JOANA: Das universidades, os professores saem despreparados para entrar numa sala de aula. Muitos profissionais formados hoje passaram por faculdades em que a disciplina “inclusão” era matéria eletiva e não obrigatória. Outro desafio é o interesse e a falta de empatia. Não podemos obrigar um professor a gostar de ter aluno em situação de inclusão, mas, quando escolhemos essa profissão, estamos abertos a receber qualquer aluno. Um médico não escolhe seus pacientes, assim como uma cabeleireira não escolhe seus clientes. Quando se trabalha diretamente com pessoas, elas são apenas pessoas, e não diagnósticos para dizer se nós a aceitamos ou não.

PARATODOS: Tem professor rotulado como mais inclusivo do que outro. Há ainda muita resistência dos professores na hora de receber um aluno com necessidades específicas?

JOANA: Todos nós temos nossas preferências, em relação a tudo na vida: a comida, roupa, lugares, viagens…  Ser um bom professor exige tanta coisa, tantas habilidades, que seria impossível descrevermos todas num currículo. Tais habilidades podem ou não ser colocadas em prática. Podem ou não ser o bastante para dar conta de algumas turmas. Todo ano o professor recebe caixinhas que vêm recheadas de surpresas, umas mais difíceis, outras mais fáceis, e cabe ao professor descobrir como vai fazer isso. Dá trabalho, pois o resultado nem sempre vem na primeira ou segunda tentativa. Há frustrações. Quem entra nesse barco por falta de opção não fica ou fica sem exercer de fato esse papel de educador.

PARATODOS: Como assim?

JOANA: Tem professores que entram numa universidade com o objetivo de ensinar a essas crianças em situação de inclusão que, no meio da faculdade ou ao longo da carreira, se encantam pelo  assunto. Outros vêem com um peso ou acham que deveriam ganhar a mais por isso.  Aquele professor que não quer ter trabalho, não tem o apoio da escola ou não tem interesse em trabalhar com esse aluno mantem o discurso que não foi capacitado para aquilo. Espera receber um aluno em situação de inclusão para estudar sobre o caso. Então, a primeira pergunta é “vai ter mediador? ’’. Já o professor que quer aprender, incluir, de fato ensinar, educar, olhar, cuidar, recebe qualquer aluno como qualquer outro. Ele pode até não saber o que fazer, mas vai aprender junto com o aluno, junto com a família e às vezes com a escola. Quando não há essa interação, fica muito difícil para qualquer professor trabalhar.

PARATODOS: Muitos professores também se queixam da falta de treinamento específico em inclusão…

JOANA:  Para incluir não basta ter somente cursos, teoria, vai muito além disso: é preciso prática e empatia, que falta às pessoas não só na área de educação, mas em todas. É inaceitável um professor, ou qualquer pessoa, só olhar o aluno pensando no trabalho que vai dar e no seu diagnóstico. Muitas vezes crianças não consideradas em situação de inclusão nos dão mais trabalho, nos demandam mais. Precisamos olhar para o aluno pensando no que podemos oferecer a ele para que consiga caminhar de uma maneira positiva e de forma crescente.

PARATODOS: Você já sentiu algum tipo de resistência dos outros pais?

JOANA: Sinto que os outros pais têm curiosidade em relação a esses alunos muitas vezes com perguntas do tipo “o que ele tem?”, “ele vai melhorar?” ou “ele bate, atrapalha?”. O não saber, além de despertar a curiosidade, dá possibilidades para imaginação. Tento esclarecer da melhor forma possível, sempre respeitando o aluno e a família para que não haja comentários desagradáveis. Quando eu penso na minha vida escolar não vejo essas crianças. Onde elas estavam? Escondidas, sendo impossibilitadas de aprender, de conviver e de ensinar aos outros o quanto que elas podem também.

PARATODOS: Ser professor exige hoje sair da zona do conforto? A inclusão veio dar uma sacudida nos professores?

JOANA: O que me faz sair da zona de conforto não é aluno em situação de inclusão. É aquele aluno que vai me desafiar em vários aspectos. Estando ou não em situação de inclusão. É um aluno que no primeiro momento não vai responder minhas expectativas, é o aluno que vai precisar de um olhar diferenciado, é um aluno que vai precisar da minha ajuda em situações que não achei que fosse, é um aluno que vai me ensinar a todo o momento que não há um planejamento que vai funcionar 100% do tempo. É o aluno que vai me dar muita alegria com qualquer tipo de avanço e conquista. É o aluno que vai me ensinar a pensar e ter atitudes diferentes o tempo todo.

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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