Era pra ser um pique-pega

Padrões que a sociedade impõe..

Era pra ser um pique-pega

Poderia ser apenas mais um pique-pega. E devia mesmo ser. Mas algo me chamou atenção naquele grupo de garotos que corria de um lado para o outro do parque. Um menino havia pedido para entrar na brincadeira. Porém, ouviu como resposta: “você não pode correr porque você é gordo”. Para minha surpresa, não houve resposta, tampouco reação. Apenas se conformou, como que acostumado a ouvir isso.
Este episódio me fez refletir sobre a questão do quanto a busca da felicidade pode estar relacionada à correspondência a determinados padrões também estéticos que a sociedade nos impõe. Hoje não apenas você tem que ser feliz, como também tem que ser magro e “sarado”, correspondendo, assim, a um estereótipo de beleza único. Existe um modelo a ser seguido e ai de quem não se adequar a este modelo ou paradigma.
Por que alguém não pode ser gordo, ou magro, ou amarelo, ou baixo, ou preto, ou vermelho? No fundo, a pergunta é: por que não se pode aceitar a diferença? Por que é tão difícil lidar com o que não é igual? Por que incomoda tanto o que difere do padrão?
Talvez, seja por isso que hoje a felicidade se imponha como uma obrigação! Está estandardizada, uniformizada – torna todos iguais, pasteurizadas em sua homogeneização.
Outra forma de olhar este mesmo episódio é também poder imaginar que talvez tenha sido uma oportunidade para aquele que insultou “o outro”. Explico. Talvez, ele mesmo tenha sido ou seja alvo desse tipo de comentário e tenha encontrado ali uma oportunidade de “se vingar” e de praticar uma pequena “maldade”. Estivesse ele satisfeito com o seu próprio corpo talvez não tivesse apontado no outro um “defeito” que “reconhece” em si …
Uma terceira “interpretação” – e pode haver várias – sobre este mesmo episódio poderia, eventualmente, desembocar na questão da depressão. O garoto que ouviu pareceu não se importar, mas, inevitavelmente, o “golpe” foi sentido. Perguntei-me quantas e quantas vezes ele já não ouviu comentários da mesma ordem? Quais os caminhos que esse menino pode tomar a partir daí? Teria ele estrutura emocional para reagir e dizer ou perguntar ou, simplesmente, retrucar: “por que você me diz isso?” Teria sido uma surpresa
para o outro e também abriria uma chance de reflexão…
Poderia ser apenas mais um pique-pega. Não foi. Nunca é. (Flavia Parente)

Flavia Parente
flavia.parente@paratodos.net.br


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