Da invisibilidade à celebridade

Da invisibilidade à celebridade

Tentei muito escrever de forma não pessoal este texto, mas não foi possível. É um assunto importante para a reflexão sobre a inclusão e é necessário que eu exemplifique de forma concreta com nossa vivência familiar.
À medida que meu filho vai crescendo e amadurecendo, vou ratificando a ideia de que, se tem algo que dificulta a vida de uma pessoa com alguma deficiência não é a deficiência em si, mas a atitude preconceituosa das pessoas ao redor. Mesmo que cheias de carinho.
Meu filho estuda em escola regular. Desde sempre. Com sua deficiência intelectual e visual – ele tem síndrome de Down e também Baixa Visão – ele precisa de muitas adaptações para que possa receber o mesmo conteúdo da turma de quarto ano. Isto não me incomoda, nunca incomodou. Suas características devem ser respeitadas e a acessibilidade necessária, garantida.
Pois bem, conforme cresce e amadurece, ele constrói a imagem de si mesmo como pessoa. Como pessoa com deficiência, que precisa muitas vezes de apoio. Se tem o apoio necessário garantido, segue feliz da vida em seu ambiente escolar. Adora seus amigos e transita muito bem entre estes. Mas, neste amadurecimento, há uma questão difícil de lidar. Algo que a meu ver é imensamente mais difícil do que lidar com a deficiência em si. É a montanha russa das relações interpessoais. Se, em um momento, é tratado como invisível, no instante seguinte pode ser considerado como uma celebridade e, por isso, tem de lidar com uma infinidade de pessoas que querem cumprimentá-lo a todo momento sem razão aparente.
Quem passa por isso como parente ou como pessoa com deficiência já deve ter identificado as atitudes a que me refiro. Mas, pra quem não vivencia este universo diretamente, explico melhor.
Em dia de prova, por exemplo, ele pode ser tratado como invisível. Isso porque, enquanto os alunos recebem suas folhas de prova, ele permanece com sua mesa vazia e precisa perguntar diretamente à professora onde está a sua prova. Depois disso, deve esperar 40 minutos até que uma adaptação improvisada seja impressa para ele e, então, volta a pertencer ao grupo.
Em outros momentos, é o popular da escola, a celebridade. Aquela que todos querem cumprimentar e chamar pelo nome a todo momento. É de enlouquecer. Ao entrar na escola e se encaminhar para sua sala juntamente com os outros 25 alunos, escuta seu nome ser chamado e recebe um cumprimento de cada inspetor, professor, funcionário pelo qual passa. Os que passam fazem questão de lhe fazer o que acham ser um agrado. E as outras 25 crianças? Não, ninguém age desta forma com nenhuma delas.
Coloco-me no lugar dele e me imagino na minha época de escola, andando pra sala com minha turma, absorta em meus pensamentos, e, então, ser chamada a cada passo e ter que responder com um “tudo joia” e um sorriso no rosto. Acho que no terceiro dia já estaria louca de vontade de xingar cada uma destas pessoas. Nada pessoal contra elas, mas sim contra sua atitude descabida. Não é diferente com meu filho.
O que entendemos como inclusão afinal? É privar o sujeito de seu direito e no momento seguinte compensar esta privação com um afago? Será que isso é incluir? É preciso que as pessoas entendam que a inclusão é muito mais do que tolerar a presença e fazer um agrado vez ou outra. É de fato respeitar a pessoa com deficiência e reconhecer seu direito de estar e participar de todos os ambientes. Os dois extremos, o da invisibilidade e o da celebridade, são extremos da exceção, e com isso ele continua excluído do grupo. Na dúvida de como lidar em determinada situação pense como faria se a pessoa não tivesse uma deficiência. E, voilà, está incluindo!

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Carla Codeço
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