Carta aberta a Gustavo Ioschpe

Carta aberta a Gustavo Ioschpe

Em seu artigo da última edição de Veja (número 2.432), o senhor nos provoca a refletir sobre a nossa democracia, tão torta e desigual. E questiona a nós, leitores, o motivo de nossa quase apatia como cidadãos. De cara, o assunto me interessou e, por esta razão, li seu texto cuidadosa e vorazmente.

Meu entusiasmo, contudo, ia levando golpes. Passados os parágrafos iniciais, o senhor nos diz que entende o motivo pelo qual “algumas camadas da população – que nem bem alfabetizadas são e que precisam trabalhar de sol a sol apenas para garantir a sobrevivência –“ não têm compreensão, tempo e energia para as causas públicas. Mas se indigna como a “gente instruída e preparada” que não faz nada.
Ora, ora, o problema é educação. E o senhor, grande estudioso do tema, sabe bem disso. Há mais de trinta anos, o também economista Carlos Langoni já defendia que os investimentos em educação deveriam ser prioritariamente concentrados na educação básica de qualidade. Num estudo mais recente, outro economista, Francisco H. G. Ferreira, já argumentou que nosso cenário de desigualdade educacional conduz a uma distribuição desigual de poder político, já que a riqueza influencia o sistema político. A desigualdade de poder político, por sua vez, corrobora a reprodução da desigualdade educacional. Afinal, quem está no poder não usa a educação pública e, por isso, pouco faz em prol de melhorias em sua qualidade. Não é falta de tempo: é falta de educação mesmo, além do nosso talento de pensarmos apenas no nosso próprio umbigo. São os tempos modernos à brasileira.
Então, seguimos com a leitura, com alguns solavancos menos relevantes. E chegamos ao ápice de nossa discórdia: a tão sonhada boa escola.
Entendi que a sua escola deve estar bem colocada no Enem ou no Ideb. E deve maximizar o aprendizado do meu filho – e não o seu conforto. Preciso checar como a escola seleciona seus professores, avaliar infraestrutura, buscar opinião de pais e ver como atua a direção. Também preciso saber dos professores, como foram selecionados e se são diferenciados entre os melhores e piores. Devo me certificar sobre as metas de aprendizagem e me informar sobre conteúdo de cada ano e disciplina oferecida pelo colégio. Está tudo mais ou menos aí?
Para mim, não. Onde entra a inclusão de alunos com deficiência no seu conceito de escola boa. Não entra? O que fazemos com as crianças com Síndrome de Down, autismo, síndromes raras, transtornos psíquicos? Congelamos? Trancamos no porão? Ou a deixamos para as escolas ruins? Ou presença destes estudantes já nos mostra que a escola não é boa?

Esse modelo que o senhor acredita me parece apenas reforçar o que temos hoje. Ao celebrarmos as escolas tidas apenas como conteudistas, estamos fazendo uma ode a tudo a que já assistimos até então. É desse modelo que vem a crise da Educação, o desinteresse dos alunos, competição exacerbada. Posso lhe mandar artigos interessantes, indicar livros e enviar alguns estudos e reportagens sobres os efeitos – muitas vezes nocivo, desse modelo de educação que o senhor prega. E, como o senhor muito bem citou, um dos sinais de loucura é continuar fazendo a mesma coisa e esperar que o resultado seja diferente. É dessa mesmice que saem novos sistemas educacionais, propostas que dão mais voz aos alunos, escolas mais “modernas”, programas não seriais, projetos em grupo, avaliações mais amplas etc., etc., etc. E, acredite, há muita coisa interessante sendo feita por aí, fora das TOP 5 do Enem.

O senhor defende em seu artigo que deveríamos nos empenhar mais como cidadãos, cobrar mais de nossos políticos, lutar mais por nossos direitos. E a escola tem um papel importante nisso tudo, porque ela não precisa formar apenas executivos de alta performance, mas também formar cidadãos críticos. Então, a escola precisa e deve e pode colocar na ementa de suas disciplinas valores morais éticos de toda a ordem – e aí incluo também a inclusão. (Alias, estudos apontam que escolas com inclusão são benéficas, não somente para os alunos tipicamente de inclusão, mas para todos, pois estimulam atitudes que auxiliam no aprendizado).

A escola boa, pra começar, deve dar bom exemplo de conduta: deve cumprir a lei. E a escola que não cumpre a lei ao fechar as portas para alunos com deficiência tem um erro na sua essência e, portanto, já complica a formação de cidadãos. Já sinaliza que a lei está aí, mas, nesse caso, não precisa ser cumprida. E cada um que escolha a lei que lhe apeteça.

Espero que um dia o seu conceito de escola boa possa incluir a inclusão. Não que ela, por si só, garanta a qualidade do ensino. Não sou tão ingênua assim. Porém, junto dela, os alunos podem construir valores e experiências que vão acompanhá-los por toda a vida. Serão melhores arquitetos, professores, advogados, eletricistas, economistas e o que mais quiserem ser na vida.

No mais, aceito, acato e agradeço o seu conselho. Saí, há cerca de dois anos da apatia que me abatia, e finalmente entrei para o rol dos indignados. Criei, com outras duas pessoas, um movimento de inclusão batizado de Paratodos, onde defendemos que ninguém fique pra trás. E convido o senhor a conhecê-lo. Inclusão virou uma causa. A começar pessoal. A seguir coletiva. Para todos mesmo.

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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