A culpa, dessa vez, é do pai

A culpa do pai.

A culpa, dessa vez, é do pai

Lá estava o pai com os dois filhos na praia. Cuidadoso, colocou em cada um aquela camisa que já vem com proteção solar. Os meninos, soltos nas areias de Ipanema, brincavam de brigar. E o pai, de longe, os bisbilhotava com ares de orgulho. Até que, cansados de tanta guerra, correm para o pai e pedem a “brincadeira da bola”. Ali, naquele instante, a poesia foi-se embora.

A brincadeira é bem divertida. É simples: o pai joga a bola para o alto, bem no alto, e vence quem a pegar. A farra fica ainda mais legal poque inclui o mar, a brisa, a areia e, pois, sim, as pessoas ao redor. Porque o jogo é bem bacana, mas não para um sábado-meio-dia-em-Ipanema-lotada. Não, não. É ideal lá na Praia dos Carneiros.
A cada bola que o moço jogava no ar, a cada tentativa de agarrar a bendita antes do adversário, era bolada em alguém ou esbarrada em outrem. Criança, grávida, idoso – ou qualquer um que atravessasse a diversão. Talvez isso desse mais emoção às partidas. Aí, de repente, o pai sugere mudanças. Achei até que tinha percebido o erro da brincadeira. Só que não. A nova regra era a seguinte: ele lançava a bola ao mar e os meninos corriam para pegá-la. Minutos depois, nova proposta: era vez do “bobinho”. Não um bobinho tradicional, nananina. Mas um bobinho com emoção. Para todos. Ou seja: com direito a mar, brisa, areia e pessoas.
Os meninos eram uma graça. Como numa orquestra ensaiada, pediam desculpas a cada encontrão. Sempre com um sorriso desconcertado. Fofos. Meu olhar atraiu a bola e a bola, em vez de cair em mim, cai no meu filho. Desculpas humildes, desculpas sinceras, e dá-lhe bola.
E finda a história aqui. Até porque não vi como a brincadeira terminou. Talvez tenham ido embora, talvez o pai cuidadoso tenha se dado conta de que já passava da hora do almoço, talvez tenha simplesmente se cansado. E, assim, nem vi quando partiram.
O trio me entristeceu em pleno sábado de sol. Não pela bolada no meu filhote. Ok, acontece. Ou até por isso. Mas o que sei é que o pai perdeu a oportunidade de lhes dizer que não ia jogar bola com eles. “Não dá, filhos. A praia está cheia, podemos machucar alguém”. Em vez disso, optou pelo caminho do querer: “meus filhos querem jogar bola, eu quero jogar bola com meus filhos, eu vou jogar bola com meus filhos”. Não deu a lição.
Só que essas oportunidades simplesmente vêm e vão. Estão ali, quicando na nossa frente, esperando que a usemos. É o tal do exemplo. De ver na prática atitudes legais do papai.
Mas o que isso tem a ver com inclusão? Tudo.
Como vou pedir para uma criança compreender um aluno com deficiência, suas particularidades e demandas, quando eu permito que ele jogue bola na praia cheia, mesmo que isso incomode alguém? Essa postura é simplesmente incompatível com inclusão – mesmo que, diretamente, não tenha a ver com inclusão.
Temos que pensar no outro. E isso inclui deixar de jogar bola ou jogar bola em outro lugar, porque aquilo vai atrapalhar muita gente. Não tem a ver com lei. Tem a ver com respeito. Tem a ver com o que é certo moralmente. Se a gente não consegue perceber isso, que eu não posso fazer somente o que eu quero, que é preciso pensar nas consequências para o outro, como falar em inclusão? Não dá.
Como num mundo tão individualista se fala de inclusão? Como? Você não precisa falar com seu filho sobre inclusão se não quiser. Você não precisa de cartilha da escola ou técnicas de como se aproximar do filho do vizinho com Down. Se você ensinar o seu filho a pensar no outro, já terá feito um grande trabalho. E a inclusão? Essa vai no pacote.
Precisamos de uma reforma moral urgentemente. Precisamos ser mais cidadãos, mais responsáveis pelo outro. Precisamos olhar o mundo ao redor. Precisamos deixar a bola para uma outra hora. Precisamos dizer que “não, não vamos jogar bola”. Mas também não deixaremos de brincar. Em vez disso, “que tal construirmos castelos?”. 

 

Fabiana Ribeiro
fabiana.ribeiro@paratodos.net.br


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